sábado, 19 de março de 2011

Palavra calada

 Se eu pudesse escolher escolheria ser vazia, mas sou a dona da palavra calada...
Se eu pudesse escolher, escolheria ser vazia, escolheria ser comum, perdida nas noites, nos braços, nos beijos, nos abraços, nos brilhos, nas camas, nos decotes, nas exibições baratas. Eu escolheria estar afogada nos copos, nas fantasias que a grande maioria usa. Mas não se escolhe ser, simplismente se é.  Infeliz de mim que sente profundamente, que acredita em palavras, que desacretida em gestos, que cala. Infeliz de mim que não veste a fantasia das noites em claro, que se reserva, que prefere o preto, que fica quieta. Infeliz de mim, infeliz de mim por ser assim. Eu nunca digo aquilo que de verdade quero dizer, eu me calo. Eu nunca transpareço a mágoa que fica, eu disfarço. Eu nunca expresso o que realmente penso, eu minto. Eu nunca deixo cair a lágrima presa, eu engulo. Eu nunca demonstro a dor que me aflige, eu finjo. Eu nunca peço o que mais desejo, eu escondo. Eu nunca deixo que vejam meu sangue escorrendo do peito, eu lavo. Eu nunca deixo que vejam meu coração quebrado, eu colo. Eu nunca falo sobre o que vi e não gostei, eu uso óculos escuros. Eu nunca falo sobre os meus sonhos,  eu acordo. E se conseguem me fazer chorar, eu disfarçadamente sorrio. E se cortam meu coração em pedaços, com uma falsa alegria eu canto. E se vejo o que não quero, uso um anestésico. E se me fazem sentir a dor mais profunda eu escrevo. E se a dor ainda assim for insuportável eu pinto. Pinto telas com meu próprio sangue. Eu sempre uso a palavra calada.
Daniele Nascimento

quinta-feira, 17 de março de 2011

A mesma confusão

Eu deveria fazer a coisa certa, mas aqui estou eu, cometendo os mesmo erros, tropeçando nas mesmas pedras. Eu deveria estar chorando, mas aqui estou eu com esse sorriso forçado. Eu deveria mirar o alvo certo, mas aqui estou eu atirando no escuro com as mesmas balas de efeito bumerangue. Eu deveria ser uma garota má, mas aqui estou eu paralisada com esta auréola enferrujada na minha cabeça. Eu deveria mentir pra todo mundo e falar a verdade só para mim, mas aqui estou eu fazendo o oposto disso. Eu deveria olhar bem dentro dos meus olhos, mas aqui estou eu tentando enxergar o invisível através de olhos fechados. Eu deveria ligar a luz, mas aqui estou eu acendendo velas que queimam minhas mãos. Eu deveria parar de fumar, mas aqui estou eu me envenenando a cada cinco minutos. Eu deveria sair por aí com um chiclete na boca, um sorriso feliz e uma pequena saia exibindo minhas pernas coloridas para todos os idiotas e imbecis que fingem ser pessoas interessantes, mas aqui estou eu  com meu velho tênis All Star, pintando minhas unhas de vermelho e me embriagando de um vinho qualquer. Eu deveria estar na noite, dançando uma droga qualquer que chamam de música, mas aqui estou eu sentada no chão escutando as mesmas canções. Eu deveria orientar meus caminhos, mas aqui estou eu lendo um mapa de cabeça pra baixo. Eu deveria economizar alguns trocados, mas aqui estou eu jogando tudo fora em jogos de pocker onde as cartas são marcadas. Eu deveria ficar calada mas aqui estou eu gritando e me rasgando. Eu deveria ser aquilo que se espera ser, mas aqui estou eu sendo a mesma confusão.
Daniele Nascimento

segunda-feira, 14 de março de 2011

Ao amor

Me invente, me destrua, me desenhe, me apague, me reinvente
Mais uma vez me construa, mas sem nunca se afastar
Seja uma verdade triste, uma verdade feliz, uma verdade doce
Uma verdade amarga, uma verdade bruta, uma verdade calma
Uma verdade simples, uma verdade complicada
Mas nunca deixe de ser uma verdade.
Que eu seja sua boneca nova, seu pedaço de pano, sua taça de vidro
Seu caco de telha, sua flor de gesso, se amuleto de sorte, seu resto de vinho.
Uma folha riscada, um isqueiro sem gás, mas que eu nunca deixe de ser sua .
Me beije, me bata, me abrace, me rasgue , me cure, me adoeça
Me solte, me amarre, me engula, me cuspa, mas sempre me mantenha ao seu lado.
Me invente, me destrua, me desenhe, me apague, me reinvente
Mais uma vez me construa, mas sem nunca se afastar
Seja uma verdade triste, uma verdade feliz, uma verdade doce
Uma verdade amarga, uma verdade bruta, uma verdade calma
Uma verdade simples, uma verdade complicada
Mas nunca deixe de ser uma verdade.
Que eu seja sua boneca nova, seu pedaço de pano, sua taça de vidro
Seu caco de telha, sua flor de gesso, se amuleto de sorte, seu resto de vinho.
Uma folha riscada, um isqueiro sem gás, mas que eu nunca deixe de ser sua
Me beije, me bata, me abrace, me rasgue , me cure, me adoeça
Me solte, me amarre, me engula, me cuspa, mas sempre me mantenha ao seu lado.

 Daniele Nascimento

terça-feira, 8 de março de 2011

Mal presságio?

E os dias são de medo, dias de estômago entrelaçado, dias de falta de ar, e o medo constante de acordar, medo de acordar. Medo de acordar friamente, acordar cruelmente, o medo de acordar. Vou sentar, e somente esperar, esperar um seu falar, tenho tanto medo de escutar, medo de escutar que em seu coração nada mais há, que em seu coração não há mais um lugar. E quando você falar, talvez seja bem direto, talvez seja bem cruel, talvez seja um iceberg, uma espada, uma cartada, talvez me faça sangrar. Talvez quando você falar, seja uma nuvem doce, seja um cantar, talvez seja quente, um vulcão, uma droga que veio para me me curar, me aliviar desse pesar. Mas por enquanto a única coisa que me resta é esperar, nesses dias tão tristes, dias tão felizes, dias de medo, dias de festa, nesses dias de medo de acordar. E se com tristeza eu precisar acordar, que eu me levante lentamente, calmamente, e então calce os meus pés que sangram num salto alto e fino, que eu tente superar essa dor. Que eu use um batom cor de rosa que marque a sua pele num beijo de mágoa. Que eu use um perfume doce, forte e marcante, para permanecer viva nas suas lembranças mais sofridas. E então que eu vá embora, calada e sutil, com os cabelos soltos ao vento e com um sorriso triste e febril. Que na beleza do meu rosto ofuscado pelo pavor, eu consiga fingir te desprezar, que eu consiga fingir que no meu coração nada sobrou. Que eu consiga fingir que nem lhe conheci, que nada eu senti, que eu consiga fingir que não vou sentir tua falta, que como uma boa atriz eu consiga fingir. Que eu tenha um andar suave ainda que meus pés doam e sangrem durante o meu caminhar, ainda que eles estejam me implorando para parar, ainda que a dor seja insuportável eu preciso suportar. E que eu não chore, que eu não sorria, que a minha ida seja apenas uma sóbria melodia, que eu não expresse nada, que eu não fale quase nada, nada mais do que o vazio do meu olhar.
Daniele Nascimento